Onde moram as estrelas
Certa vez havia uma terra muito longínqua, e estava tão longe no tempo e
na distância, que nem se sabe bem se existiu.
Mas isso não é o que mais
interessa, porque o que conta mesmo é que era nessa terra que vivia o
Francisco. Os seus olhos eram azuis, límpidos e transparentes e, tal como
acontece com a água, os olhos do Francisco reflectiam o azul do céu. Ou seria o
céu que espelhava a cor dos seus olhos, de tão azuis que eram?
A terra do Francisco era muito rica e poderosa, mas o rei da terra
vizinha tinha muita inveja do rei da terra do Francisco, por isso, mesmo quem
não gostava do seu rei queria ser seu ‘amigo’. Mas estas coisas o Francisco não
sabia nem se preocupava, porque eram assuntos que diziam respeito mais aos
adultos. E muitas vezes os pais do Francisco tinham conversas com um tom
preocupado, mas como eram coisas complicadas para a sua cabeça o Francisco não
as entendia e depressa as esquecia, só não gostava da irritação que provocavam
nos pais. Depois dedicava-se ao que mais gostava, as brincadeiras, e nisso, sim, era especialista.
Nas duas terras havia um princípio
que os dois reis tinham combinado respeitar, porque os dois concordavam que era
o mínimo que podiam oferecer às suas populações. De acordo com esse lema e
desde o dia em que nascia, toda a criança tinha direito a um nome e uma
nacionalidade, ou seja, a ser cidadão de um país.
Mas na terra vizinha à do Francisco e porque o seu rei não tinha jeito
para o ser e tudo que fazia era para ser superior ao rei vizinho, às vezes as
coisas não corriam como deviam nem se cumpriam as leis que tinham sido
estabelecidas. Ora por isso, e porque este rei já não se lembrava do tempo em
que era criança e nem de como tinha gostado de o ser, ele já não pensava nas
crianças da sua terra.
E num dia, em que a manhã acordou cheia de um azul que se confundia com
os olhos do Francisco, os dois reis desentenderam-se e zangaram-se. Ora, a
maneira como se sabe que os países estão zangados é quando há guerra entre
eles.
E foi o que aconteceu. O Francisco teve, então, que fugir do seu país por
causa da guerra. Mas na outra terra as pessoas que não eram de lá não eram
muito bem vistas e tinham que viver à parte. E Francisco vivia muito triste,
porque não entendia para que eram as guerras. Só sabia que não gostava do sítio
onde agora estava e não podia ir para o seu país.
Sim, porque as guerras são incompreensíveis e, muitas vezes, nem os
adultos entendem porque as há ou porque as provocam.
Francisco, durante a noite, admirava as estrelas e fascinava-o pensar na
sua liberdade, na sua infinita casa, que era o céu, que de noite era negro, como
o que Francisco sentia nas alturas em que estava muito triste.
Ao contemplar as estrelas Francisco pensava se nelas, as pessoas que lá
viviam também tinham que andar a fugir de um lado para o outro, ou de estrela em estrela. E como as via
tão calmas logo se tranquilizava e desejava, com todas as suas forças, poder um
dia viver, sossegadamente, numa estrela.
Claro que Francisco não sabia que as estrelas não eram sítios onde se
pudesse morar.
O que mais o encantava nas estrelas era o seu brilho diamantino e estava
convencido que eram feitas de prata. E como a mãe lhe explicara que a prata era
valiosa Francisco desejava ter uma estrelinha de prata. Embora reconhecesse que
se calhar o sol era mais valioso, porque brilhava como o ouro, o brilho das
estrelas era bem mais encantador e maravilhoso. Porque o sol às vezes era muito
quente e muita gente se queixava dele e, assim, Francisco não tinha por ele
grande admiração.
Francisco agora tinha uma vida errática, que quer dizer que andava sempre
de um lado para o outro. Não morava só num sítio. Num país que não era o seu,
nem onde se sentia bem, Francisco nunca mais se lembrara de como era ser
criança, ou seja, já quase não sabia fazer o que as crianças gostam, que é
brincar, correr e até admirar as estrelas.
Apesar do frio e da noite escura e do cansaço, a que o Francisco já se ia
habituando de cada vez que tinha de ir para outro lado, ele adorava o céu, por
causa das estrelas brilhantes e por serem calmas e maravilhosas, e,
principalmente, porque a mãe sempre lhe dizia que as estrelas são as casas das
pessoas que gostam de nós e que já não vivem na Terra e que do céu olham para
nós e nos protegem.
Houve um dia em
que Francisco e os seus pais tiveram que partir novamente. E
por serem refugiados (que é o que se chama às pessoas que fogem de um país para
se sentirem em segurança) tiveram que andar muito e até atravessar uma serra
para chegarem a outro sítio onde pudessem demorar, morar e descansar, e lhes
parecesse mais seguro.
Naquela noite as estrelas estavam todas ali, para guiarem a família do
Francisco no seu difícil caminho.
Foi em mais um dos seus deambulares (que é o que costuma acontecer às
pessoas que não podem viver só num sitio, na sua terra) que Francisco se perdeu
de seus pais. Como todas as crianças, era muito curioso e ao apreciar tudo o
que o rodeava distraiu-se e foi ficando para trás, Distanciou-se e nem se deu
conta de que se estava a separar dos seus pais. E quando se viu sozinho correu
muito a ver se ainda os apanhava.
Desorientado começou a andar, a andar, a andar e, sem saber,
tanto ia para a FRENTE
como para
TRÁS.
Ia para a FRENTE
e
para TRÁS.
Tentou acalmar-se. Parou, esperando que quando dessem pela sua falta
voltassem para trás para o buscar.
Por estar tão cansado recolheu-se num buraco, que por ali apareceu.
Assustado e sem saber como resolver a situação lembrou-se das sábias e
tranquilas palavras da mãe nos momentos em que ele lhe parecia preocupado e com
medo. “Depois da tempestade vem a bonança” dizia ela. Era assim que a mãe lhe
explicava que as coisas más não duram sempre, há sempre coisas boas que vêm a
seguir. Era, neste momento, o que ele mais desejava que acontecesse e
ansiosamente aguardava a ‘bonança’, palavra que ele já tinha aprendido que
queria dizer “tranquilidade”, “calma”.
Foi, no entanto, surpreendido por uma tempestade e percebeu, nesta
altura, que lhe fazia falta tudo o que ele gostava e conhecia (os pais, a sua
casa, os seus vizinhos. Enfim, a sua terra!). Francisco tinha medo das tempestades
e dos trovões principalmente, que o assustavam muito, pelo barulho que faziam.
Também se perturbava demais quando havia relâmpagos e aquela luz toda (que nem
os cobertores apagavam) parecia-lhe um aviso sério de que era nestas alturas
que Deus ralhava com os homens.
Passou um dia, dois dias e muitos dias e Francisco continuava sozinho à
espera, muito triste e, apesar de
continuarem azuis e transparentes, os seus olhos já não reflectiam o céu e não
queriam ver mais, porque pensava no sofrimento, na tristeza, e na sua solidão.
Francisco fechou os olhos para não ver o mundo e foi-se deixando ficar.
No entanto, sentia a sua família dentro dele. E quando a família está
dentro de nós não estamos sós. Francisco fechou os olhos e sentiu a sua família
dar-lhe um abraço lá por dentro. Num dia, triste, como a sua história, conseguiu
finalmente descansar em paz, na sua estrela. No ‘país’ onde ele sempre
imaginara que todos podiam viver e ser felizes.
(Minha autoria, a pedido de um amigo)
(pProjeto ainda não concretizado)
1 Comments:
At 10:48 AM, joanana said…
Parabéns, amiga! Belo texto! Continua a escrever e a presentear-nos. Beijinhos
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